Todas as religiões são iguais?


Se o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, é normal que o busque “tateando”. Ao escolher o povo de Israel, Deus se revela, progressivamente, assim como Ele é. Em Jesus Cristo, Ele se entrega a nós, porque “Deus é amor”. Mas o resultado só dá mais valor aos caminhos.



Se a fé cristã é a verdadeira, as demais religiões são falsas? Todas as religiões são válidas? Com que critérios devemos escolher uma religião? A primeira pergunta é uma armadilha. Se você responde “Sim, as demais religiões são falsas”, será considerado um sectário; se responde “Não” à primeira pergunta, será suspeito de ter respondido adiantado “Sim” à segunda: “Todas as religiões são válidas”. Então, por que ser cristão?



Esta pergunta foi uma das mais debatidas no Concílio Vaticano II e a polêmica com relação a ela ainda não acabou. Ela foi objeto de um texto curto, mas de referência: a declaração sobre a relação da Igreja com as religiões não cristãs, intitulada “Nostra Aetate” (NA), em latim; esta trata do diálogo inter-religioso, e não da relação com as diversas relações cristãs, que se exerce no diálogo ecumênico.

É preciso rejeitar as duas respostas extremistas. Se as demais religiões são totalmente falsas, existe o risco da intolerância e inclusive da violência: infelizmente, a atualidade mostra que este perigo não é ilusório. Se todas as religiões são iguais, é o triunfo de um relativismo sem igual. É preciso perder toda a esperança da verdade: mas isso é digno do ser humano?

Em um âmbito tão importante, não se pode cair no esquematismo dos programas de auditório, segundo os quais responder “sim” ou “não” pode fazer você ganhar ou ser eliminado.

É preciso desconfiar das falsas evidências. No que diz respeito à verdade, em alguns casos, é possível responder “sim” ou “não” de forma taxativa. “Que o vosso 'sim' seja 'sim', que o vosso 'não' seja 'não'”, disse Jesus. Sim, dirá o cristão: Jesus é o Messias, o Filho de Deus, ressuscitado no dia da Páscoa. Não: Buda e Maomé não podem ser colocados no mesmo nível de Jesus.

Mas isso não é motivo para desprezar o budista, que busca se libertar do que nos oprime, nem o muçulmano, quando afirma a unicidade de Deus. Inclusive nas ciências chamadas exatas, é possível admitir que as verdades são parciais – muito mais, então, nas “ciências” humanas.

Uma fotografia pode ser mais ou menos nítida. Uma emissora de rádio pode ter mais ou menos interferências.

O Concílio Vaticano II declara: “A Igreja católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo. Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia, refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens” (NA, nº 2).

Seguindo os Padres da Igreja, o Concílio Vaticano II reconheceu nas “religiões” uma “preparação evangélica”, ainda que, devido ao pecado, a perversão sempre seja possível.

Deus é o Criador do universo e, mais precisamente, de toda a humanidade. O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, segundo o livro do Gênesis, em seus primeiros capítulos, que se referem a toda a humanidade e não somente ao povo de Israel.

Apesar do pecado, ainda existe um traço de Deus em cada homem, que o torna sedento de encontrar a verdade e fazer o bem. “A todos socorrestes com bondade, para que, ao procurar-vos, vos pudessem encontrar” (Oração Eucarística IV).

Esta busca não está isenta de erro. Pode inclusive levar a resultados perversos, como matar em nome de Deus. O Antigo Testamento reage contra isso. Pode se tornar idolatria, ou seja, considerar simples criaturas como deuses ou imaginar os deuses como humanos superiores, inclusive com os nossos vícios. De fato, este era o mundo pagão no qual o Evangelho começou a ser pregado.

A busca de Deus pode também ficar na soleira da porta, remetendo o divino ao desconhecido ou ao impessoal, “o divino”. Em Atenas, Paulo felicitou os gregos por terem elevado um altar “ao deus desconhecido”. Manifestamente, ele via nisso uma “preparação evangélica”. Infelizmente, quando começou a anunciar o que o Evangelho tem de original, seus ouvintes riram dele. As preparações nem sempre dão um bom resultado.

“Tu, o único Deus verdadeiro”, diz Jesus Cristo, dirigindo-se ao Pai. Deus é fiável. Eu posso me apoiar nele. É Criador e Salvador. De todos.

Nós só conhecemos alguém que se manifesta, que se dá a conhecer. Um objeto se deixa observar passivamente. Para que uma pessoa seja conhecida, é preciso que tome a iniciativa. Em linguagem cristã: que “se revele”. Se isso já é verdade entre os humanos, muito mais será quando se trata de Deus.

À busca do homem responde a revelação de Deus. Ele se revela de maneira pessoal, escolhendo um pequeno povo, Israel, dando-lhe uma lei, acompanhando-o em sua caótica história. Deus lhe promete um Messias, um Salvador – para ele, mas não somente para ele. Desde Abraão, durante dois mil anos, Deus comprovou isso. Ele é fiel. É confiável. Podemos contar com Ele. Ele diz o que faz e faz o que diz. Ele é a Verdade.

O ato de fé é dizer a Deus: “Tu és o Criador, fonte e final de toda existência humana e de todo o universo”. Ele não é um deus particular. É o Infinito. Todos têm lugar no seu Reino.

Cada um de nós é responsável, em consciência, de buscar a verdade. Esta verdade existe; não é inalcançável. Mas o que ela falará a uns, falará menos, ou nada, a outros.

A doutrina católica ensina que não é impossível que os homens afirmem a existência de Deus como único e da pessoa humana como eterna em sua alma. Muitos filósofos gregos o fizeram e por isso a Igreja os estima tanto.

Mas a fé cristã não é apenas uma afirmação filosófica: é o reconhecimento de Deus em Jesus Cristo. Este reconhecimento não é automático. Tem algo de gratuidade, pois Deus se revela como Amor; pede uma conversão, pois o Evangelho convida a amar inclusive os inimigos.

Ainda ultrapassando todo raciocínio, a fé cristã não carece de indícios. Mas tais indícios não serão os mesmos para todos: experiência espiritual pessoal, como São Paulo; descoberta de Jesus pela leitura do Evangelho (“Nenhum homem falou como este homem”); testemunho de santos de ontem e de cristãos de hoje; fecundidade cultural e social do cristianismo etc.

Já que a questão apresentada é a multiplicidade das religiões, o cristianismo manifesta a sua verdade na medida em que acolhe todas as culturas, com sua dimensão religiosa, levando-as a dar o melhor de si mesmas.

“Tudo o que de verdade e de graça se encontrava já entre os gentios como uma secreta presença de Deus, expurga-o de contaminações malignas e o restitui ao seu autor, Cristo, que destrói o império do demônio e afasta toda a malícia dos pecados. O que de bom há no coração e no espírito dos homens ou nos ritos e culturas próprias dos povos, não só não se perde, mas é purificado, elevado e consumado para glória de Deus, confusão do demônio e felicidade do homem” (Vaticano II, decreto “Ad gentes”, n° 9)

via Aleteia 

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