Enquanto você rejeita participação política, outros decidem sua vida e a até o “Gênero” de seu filho


Embora seja tema que cause desconforto na maior parte das pessoas, a discussão política não pode mais prescindir do posicionamento daqueles que “não gostam de política”, pois os que gostam de política estão passando a decidir vários aspectos da sua vida, dentro de sua casa, com a sua família. Exemplos como a “lei da palmada” (quando já havia leis contra o espancamento de crianças, aliás, contra o espancamento de qualquer ser humano) e a possibilidade de ser processado, caso seu vizinho tenha entendido de forma particular, algo que você tenha dito, explicitam como a política já está dentro da sua casa.



A política já determina como você deve se comunicar com outras pessoas, o que pode ser dito sem o eventual risco de um processo e como você deve educar os seus filhos. Caso as pessoas comuns persistam alheias ao processo político ideológico, em algum tempo o avanço sobre as liberdades individuais poderá chegar a um ponto de decidirem o que você pode ler, escrever, escutar, comer ou beber.
A política seria o espaço, por excelência, para a discussão de idéias, troca de opiniões e defesa de diferentes pontos de vista. A política também é o espaço para a discussão dos interesses de diferentes grupos. Ambas as formas de exercício político são legítimas.
A primeira é ideológica – das idéias, das proposições teóricas.  A segunda remete aos interesses primários de cada grupo. Existe uma clara hipertrofia da segunda posição, com uma ampla cobertura do cenário político, em detrimento da discussão sobre quais parâmetros devem ser adotados para a vida privada, sobre o papel do Estado (por exemplo, se teria o direito de interferir na educação dada pelos pais), ou se o governo deve determinar a vida religiosa de cada um.
Talvez por essa hipertrofia da discussão da política partidária (cenário político), há um desinteresse generalizado pelo assunto. Esse desinteresse acaba por gerar um resultado óbvio: somente serão aprovadas as idéias dos poucos envolvidos em qualquer temática, e somente esses grupos serão privilegiados.
As definições de certo e errado, do que é bom ou ruim, da moralidade e da ética, irão seguir o grupo melhor representado numericamente. Entretanto, somente um grupo tem conquistado representação na política, seja pelo posicionamento ideológico, seja pela defesa dos seus interesses privados.
Para entendermos melhor qual grupo é esse, temos que explorar a concepção primária de que cada pessoa tem sobre a natureza humana.


Podemos estabelecer duas grandes posições conceituais sobre a natureza humana:
– Alguns acham que o ser humano é bom por essência. ( A Igreja católica reconhece o homem como amado mas ferido pelo mistério do pecado não possuindo, portanto, uma bondade intrínseca. Deus é a origem de todo o bem e todo ato de bondade humana transborda da ação da graça divina agindo na liberdade humana)
– Outros acreditam que, embora possa ser bom, não é uma característica inata, mas sim que deva ser trabalhada.
O primeiro grupo (que acreditam numa forma de “bondade essencial”) tende a ver as diferenças humanas como construções sociais, em que os criminosos se tornam criminosos pelas diferenças sociais, impostas pelo mundo, numa espécie de “falta de sorte”. Afinal, se todos são iguais e bons, as diferenças só poderiam ser decorrentes das imposições sociais. Por exemplo, apesar de existirem bandidos em todas as classes sociais, acreditam que a pobreza é o que causa a violência social. Curiosamente, esse grupo apresenta extrema dificuldade em analisar os fatos, e perceber, por exemplo, que a renda per capita do brasileiro quintuplicou nos últimos 35 anos, enquanto a violência cresceu 4 vezes! Mesmo ajustando para o crescimento da população brasileira no mesmo período, o número de homicídios mais do que dobrou. Sendo a violência uma determinação social, mesmo que os dados apontem em direção contrária, seria necessária uma mudança social, talvez até uma “revolução”, para que a violência regrida. Todo o foco é colocado na mudança da sociedade, apesar da sociedade (por intermédio dos dados disponibilizados publicamente) apontar que não é a pobreza que causa a violência.
Que fique claro: não estou aqui simplesmente tecendo uma opinião. Em 1980 foram registrados 13.910 homicídios no Brasil. Em 2014, foram mais que 52.000. Dados do Banco Mundial evidenciam uma renda per capita evoluindo de aproximadamente US$2.000 para mais que US$10.000. Ou seja, aumentou a renda, e a violência. Naturalmente, alguns irão argumentar que o que aumentou foi a má-distribuição de renda, em que os pobres ficaram ainda mais pobres, e os ricos ainda mais ricos. Utilizemos então outros parâmetros, como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que mede a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico de uma nação. O IDH também cresceu no período, indo de 0,549 em 1980, para 0,744 em 2014.
Dessa forma, a discussão beira a desonestidade, pois, o argumento que o primeiro grupo utiliza não se sustenta, nem mesmo segundo as estatísticas. Embora nossa historicidade já tenha dados suficientes para responder essa questão, poder-se-ia pensar que a discussão ocorreria por pura ignorância. Mesmo assumindo uma falsa suposição da “bondade essencial” humana, persistir na ignorância dos fatos (crescimento da renda per capita, do IDH e da violência, ao mesmo tempo) chega a ser absurdo.
Repetindo, são duas suposições:
1-      O ser humano é essencialmente bom, e a sociedade o corrompe;
2-      O ser humano pode ser bom, ou não, por fatores inerentes à espécie humana.
Repassando, ao se seguir a primeira suposição, o problema da violência é social. Na resolução desse problema, parte-se do pressuposto que a violência é oriunda da pobreza. Entretanto, o IDH e a renda per capita avançaram, mas ainda assim, a sociedade ficou mais violenta. Só há uma inferência lógica decorrente dessa breve análise: a violência não é um subproduto da pobreza. O fato desse silogismo ser contra intuitivo é um fato em si.
Ou seja, o argumento não se sustenta dentro de sua própria tentativa de coerência teórica, e as pessoas continuam acreditando nesse argumento! Trata-se do homicídio da lógica!
Por que o segundo grupo, que pensa que o ser humano não é essencialmente bom, não exige que o primeiro grupo tenha um mínimo de coerência lógica? Por que o segundo grupo não se vê representado politicamente?
Mas talvez seja esse um dos grandes problemas a serem enfrentados: a falta de lógica, como matriz social.
E por que isso ocorreu? Provavelmente porque nos interessávamos menos por discussões sociais e políticas, pois éramos cientes da condição humana, da sua biologia, dos seus limites, e das dificuldades inerentes à própria vida. Estivemos focados no desenvolvimento pessoal, reservando à sociedade o fruto final dos nossos esforços, do nosso acúmulo de conhecimento, do avanço da experiência adquirida. Sabíamos que deveríamos nos desenvolver e ser responsáveis por nós mesmos, ao invés de responsabilizar o outro pelas nossas próprias vidas.
O grupo que tende a ver o ser humano como mera consequência das ações sociais, naturalmente se ocupou mais com o desenvolvimento da sociedade e, por consequência, da política, em detrimento do desenvolvimento individual. Embora não sejam tão numerosos na população, ocuparam mais habilmente os espaços políticos, chegando a tornar o discurso que vence as eleições quase uma formalidade, sem forma e sem conteúdo.
Infelizmente, erramos ao termos nos retirado do debate ideológico.
Discutir política não é mais uma opção: o Estado já está dentro da sua casa. Por exemplo: Caso você ache que seus filhos não devam estudar no nosso sistema tradicional de ensino, saiba que você não tem mais essa escolha. A frequência escolar é obrigatória. E será nessa mesma escola, a qual o seu filho é obrigado a frequentar, que lhe será ensinado que meninos e meninas são meras quimeras sociais, e nós somos os algozes deles.
Enquanto quisermos nos ausentar do debate, e não aceitarmos discutir conceitos como liberdade, tamanho do Estado e autonomia, irão decidir por nós, à revelia.
Há de se retomar a análise dos fatos e discussões sobre as possibilidades que o mundo oferece. Quais valores devem pautar a vida em sociedade? Não se trata de um problema de fácil resolução, pois a própria filosofia encontra-se em evolução constante. Todavia, embora ainda estejamos evoluindo no processo civilizatório, algumas verdades já existem, como as diferenças entre homens e mulheres. Já é claro que não cabe a um único governante, ou grupo, determinar que seu filho é “unissex”, a partir de teorias falhas, que talvez sirvam a algum outro interesse.
A nova matriz social, carente de lógica, tem que ser questionada, revista e modificada.
Devemos defender a possibilidade de expressão individual (também chamada de liberdade), cessar o patrulhamento social e parar de adjetivar as pessoas em discussões ideológicas. Temos que discutir os fatos, não as pessoas. As pessoas deixaram de lado a capacidade de análise dos fatos, mesmo as mais esclarecidas. Não se discute mais qual é o melhor sistema, pois toda conversa acaba se desvirtuando para a discussão da vida dos interlocutores, ou do cenário político, em detrimento da discussão teórica. Em qualquer conversa, o foco deve ser na discussão das idéias, e não na vida particular dos interlocutores. As pessoas devem aprender a se defender da personalização da discussão (do tipo argumentum ad hominem), e se ater à análise dos fatos e da situação.
Dentro dessa retomada da lógica, ninguém poderia admitir um argumento, em que qualquer grupo se posicionasse como defensor da igualdade e da liberdade, ao mesmo tempo!
Ideologicamente, um conceito exclui o outro.
Irei exemplificar tomando por base a ideologia de gênero: conforme exposto acima, quem defende a igualdade, defende a ideia de que os seres humanos nascem iguais, bons e puros, mas a sociedade os corrompe. Segundo essa perspectiva, os seres humanos nascem tão iguais, que nem mesmo existem diferenças de gênero: sexo masculino e sexo feminino seriam invenções sociais, apesar das inúmeras provas científicas (e observacionais) ao contrário. Os seres humanos nasceriam “unissex”, com uma pequeníssima diferença anatômica. Bastaria, portanto, criá-los de forma “unissex”, e depois “deixá-los escolherem seu sexo”. Exceto por alguns artistas, ou raras exceções (que fogem ao escopo desse texto, exceto pela exceção que confirma a regra), a identificação com o próprio gênero (e não me refiro aqui à orientação sexual) continua a ocorrer, em larga escala, apesar da ideologia de gênero. Caso essa ideologia estivesse correta, já estaríamos vendo milhares, milhões de seres misóginos (metade homem, metade mulher), o que também não ocorreu. A determinação biológica de gênero é inequívoca. O que tem ocorrido são mulheres e homens perdidos em qual rumo seguir, pois não conseguem se orientar nem em relação ao próprio sexo.
Cientistas sérios não defendem a ideia de caracteres adquiridos de Lamarck, sendo que a genética contemporânea já deixou claro que Darwin tinha razão. A negação da heritabilidade biológica das características humanas acabou proporcionando sofrimento e mortes desnecessárias.
É inútil impor ao ser humano características que não são suas. Mulher é mulher. Homem é homem. A espécie não muda segundo o interesse ideológico de ninguém, nem de nenhum sistema. As crianças continuam se tornando homens, ou mulheres, na idade adulta. Por que não deixamos que elas cresçam, e nos resguardamos a observar e aceitar suas tendências e evolução natural?
Mas não seria isso o que a ideologia de gênero defende? Não.
O que está sendo defendido é a imposição de um tratamento unissex, sem respeitar os interesses naturais das próprias crianças, ou dos responsáveis por elas, os seus pais.
Uma outra observação remete à escolha das meninas como padrão ideal para a infância. Por que não poderiam ter sido escolhidos os meninos? Não teriam, mulheres e homens, meninas e meninos, o mesmo valor? Por que somente o comportamento contido, sem a energia cinética clássica dos meninos é valorizado? Posto que essas diferenças de gênero seriam somente sociais, por que não se tomou como padrão ideal o comportamento mais despachado dos meninos? Ou então, por que não se assumiu os dois padrões como adequados?
A confusão criada não está sendo solucionada pela ideologia de gênero. Está sendo criada por ela. O mesmo ocorre com todas as outras ideologias que o politicamente correto nos impõe.
Estamos permitindo e incentivando a hipertrofia do poder central, com o Estado funcionando como o árbitro, e, pior ainda, como ator social, determinando como você deve, ou não deve, educar o seu filho. O Estado não deveria ter o poder de determinar a qual sexo pertence o seu filho ou sua filha.
E, caso o cidadão não aceite a imposição estatal, medidas jurídicas poderão ser tomadas. Para se impor a (suposta) igualdade, restringe-se a liberdade. Um único poder central, determinando os valores a serem adotados, sob pena de sanções jurídicas, não me parece um governo humanitário.
Percebe-se, portanto, que estamos diante de uma clara confusão ideológica. Afinal, qual opção é válida, no sentido de uma real possibilidade, e não uma mera distorção perceptiva?
  1. a) Liberdade e Igualdade;
OU
  1. b) Liberdade versus
Embora seja altamente desejável, não é possível ter os dois.
O apelo social à igualdade e à ” justiça social ” se tornou um discurso de difícil contraposição. De alguma forma, talvez pela repetição incessante, esses conceitos foram associados, ao mesmo tempo, a determinados grupos, ferindo completamente a lógica. Temos agora que enfrentar esse equívoco perceptivo e ideológico, pois, para termos a suposta ” justiça social ” , é necessária a intervenção estatal. São, portanto, conceitos mutuamente excludentes. Fica claro que a gerência (ou ingerência) do Estado nas relações interpessoais acaba por restringir as liberdades individuais.
Ainda podemos ter pensamentos dissonantes!  Ainda podemos expressá-los! Utilizemos essa prerrogativa!
Entretanto, caso você não goste de política, e não queira se envolver em discussões dessa natureza, saiba que o Estado, possuidor de todo o saber, fará as suas próximas escolhas por você. Afinal, ele já fez tantas, por que não continuar assim?
Sobre o autor: Leandro A. P. Silva é Médico psiquiatra e Doutor em Ciências

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