A verdade sobre a igreja de Santa Rita, desocupada à força pela polícia na França. Não é o que parece.





A “igreja dos bichinhos” e seu arquileigo

Em entrevista ao jornal “La Croix”, da frança, o Papa Francisco disse:
“A criticazinha que eu dirigiria à França neste tema [do laicismo] seria de exagerar a laicidade. Isso vem de um modo de considerar as religiões como uma sub-cultura e não como uma cultura integral. Eu temo que esta abordagem, compreensível como herança iluminista, não tenha mais lugar de ser.”



O caso da igreja de Santa Rita, desocupada à força pela polícia durante um culto religioso, é um excelente exemplo do que o Santo Padre condenou na França, e — como sempre — uma história muito mais complexa que o que querem fazer crer os horrorizados das redes sociais, sempre prontos a julgar sem conhecer.

O primeiro ponto crucial para que se entenda a situação é que as igrejas francesas foram todas “desapropriadas” (ou, antes, roubadas) pela Revolução Francesa (cuja data magna é o 14 de julho; guarde isto). Assim, quem distribui aquelas belíssimas construções, alugando-as, cedendo-as gratuitamente ou vendendo-as, é o governo ou algum proprietário particular. A Igreja Católica, na melhor das hipóteses, é inquilina nas próprias igrejas que construiu.

A igreja de Santa Rita foi construída no início do Século XX por uma associação privada anglicana, visando a princípio alugá-la como igreja. Isso funcionou durante algumas décadas, mas depois a edificação passou um bom tempo vazia por falta de interessados. 

O prédio, então, foi alugado a uma seita semelhante à nossa “Igreja Católica Apostólica Brasileira”, a “Igreja Católica Galicana de Paris”, com “padres” casados e ordens provavelmente inválidas. Os galicanos conseguiram atrair bastante público ao tornar-se a “igreja dos bichinhos”, com um dia de bênção dos animais, um discurso ecológico, cachorrinhos de colo bem vindos às celebrações, além de “missas” midiáticas de todo tipo (“Missa do Michael Jackson”, “Missa dos Motoqueiros”, etc.), ironicamente sempre celebradas na Forma Extraordinária.

Mas mesmo assim o aluguel que eles pagavam não estava valendo a pena para a associação dona da igreja, que pediu aos órgãos de Estado encarregados da proteção ao patrimônio histórico autorização para vender e demolir a igreja. A autorização foi dada em 2010, e em 2011 a “igreja dos bichinhos” foi vendida para um empreendedor interessado em fazer um estacionamento e habitações populares.

Os galicanos fingiram que não ouviram e continuaram lá, com políticos de todos os partidos discutindo se a igreja poderia ou não ser demolida, até que um grupo político (o “Movimento 14 de Julho”) resolveu comprar a briga, ou talvez fazer da igreja um símbolo seu. Trata-se de um movimento no mínimo bizarro, que tentou reunir gente suficiente nas ruas em 14 de julho de 2015 para fazer um golpe de Estado, mas não conseguiu reunir mais que 500 pessoas. É um grupo antissionista, que diz defender os palestinos e nega ser antissemita, mas há controvérsias a este respeito. Além disso, eles propõem a proibição das vacinas, denunciam a “poluição cerebral” causada pelo wifi e pelos micro-ondas, pedem o retorno do franco (moeda nacional, substituída há tempos pelo Euro), propõem uma renda universal de 1500 euros por mês (porque “o estresse permanente do fim de mês não é favorável a uma reflexão serena”; faz sentido, e o Suplão adoraria), denunciam a dívida externa, que seria um complô maligno, e querem que os jovens participem na política a partir dos 14 anos de idade. Eu disse que era bizarro.

Os galicanos fizeram a besteira de deixar os malucos entrarem, e eles foram aos poucos expulsando os galicanos da igreja, até que quando chegou uma ordem judicial de evacuação, no final de 2014, os galicanos saíram de vez e os deixaram sozinhos lá. Em 2015 as portas da igreja foram muradas, mas os maluquinhos, a essa altura já apoiados por vários movimentos populistas de vários tipos, derrubaram as paredes e entraram novamente na igreja. Com o fracasso do golpe de Estado deles em 2015, contudo, eles passaram adiante a igreja (sempre ocupada ilegalmente para o direito civil e inexistente para o direito canônico) a uma associação preservacionista servida pelo padre Tanoüarn (o “abbé de Tanoüarn”, uma figura interessantíssima: era lefebvrista, e foi durante anos “vigário” (de quem, não se sabe) da igreja de São Nicolau, que o governo francês, para ira das autoridades eclesiásticas católicas, deu para uso aos lefebvristas. Brigou com os lefebvristas, voltou à plena comunhão com a Santa Sé, fundou o IBP, teve o comando do IBP puxado de debaixo de suas pernas num processo canônico curiosíssimo, e hoje em dia dedica-se mais à política, ao ensino e à escrita.





A luta legal, enquanto isso, era para tentar impedir a demolição por conta de algum detalhe no desenho dos arcos da igreja, que seria único o bastante para garantir tombamento. Outro argumento era a presença de amianto no prédio, que poderia tornar perigosa a demolição. É um prédio do começo do século passado, afinal, o que em Paris quer dizer um prédio novíssimo. Ambas as alegações não deram em nada, e a associação que vendera a igreja para demolição conseguiu, finalmente, outra ordem judicial de desocupação. Sabendo que ela viria, os ocupantes — a essa altura ajudados por vários grupos políticos interessados em fazer a caveira do governo — cuidaram de fazer o espetáculo de mídia que está rolando pelas redes sociais, cuidando (literalmente) que não houvesse “gente suficiente para que a Prefeitura volte atrás e desista da evacuação”. Sabendo da hora em que a polícia tinha ordens de entrar, eles começaram uma Missa para que ela fosse interrompida pela polícia, e quando perceberam que a polícia estava esperando acabar começaram outra, e outra ainda, quando finalmente fez-se a reintegração de posse. Não se sabe ainda sequer se as tais Missas sacrílegas (pois começar a celebrar a Santa Missa paraser interrompido e aparecer em filmagens é sacrilégio) estavam sendo celebradas por padres de verdade ou por galicanos sem ordens válidas.

Ou seja: a situação não é em absoluto simples como se quer pintar. Não se trata de uma igreja católica subitamente invadida durante a Missa, mas da Missa sendo usada para fazer um espetáculo de mídia, numa versão sacrílega do Eduardo Suplicy deitando no chão para obrigar os policiais a carregá-lo defronte às câmeras. Nem se trata, canonicamente, de uma igreja ou capela católica, sim duma tentativa de pseudo-catolicização puramente instrumental e política de um prédio conhecido como a “igreja dos bichinhos” galicana. O que se está fazendo é política, é — como condenou o Papa —fazer da religião subcultura. O que aconteceu ali não muito diferente do que acontece no Brasil com as “ocupações” de escolas e prédios públicos, com o agravante não de ser uma igreja (porque canonicamente não é), sim de se usar a Santa Missa para fazer política.

Autor: Carlos Ramalhete


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