Em depoimento ao MP, ele revelou ao menos dois repasses sem monitoramento. Em um dos casos, pegou R$ 500 mil diretamente do fluxo diário da entidade. Ação originou investigação de desvio de doações de fiéis.
Em depoimento ao Ministério Público de Goiás (MP-GO) no processo de extorsão do qual foi vítima, padre Robson admitiu que fez repasses aos chantagistas sem o monitoramento da polícia e usando dinheiro da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe). O intuito dos pagamentos, de mais de R$ 2,9 milhões, segundo o sacerdote, era evitar que fossem a público supostos casos amorosos dele.
A defesa do padre Robson disse que "reforça que todo o conteúdo das mensagens é falso, o que comprova que ele foi vítima de criminosos de altíssima periculosidade". Salienta ainda que "os responsáveis já foram condenados pelo Judiciário e cumprem rigorosas penas. Por fim, destaca que o religioso "não tem e nunca teve nenhum patrimônio".
Foi este processo que originou a Operação Vendilhões, deflagrada pelo MP-GO e que apura desvio de R$ 120 milhões doados por fiéis à Afipe, entidade que o padre fundou e presidia até pedir afastamento.
De acordo com a Justiça, o conteúdo usado para fazer a chantagem cita dois supostos casos amorosos do pároco, sendo um deles com o próprio hacker acusado da extorsão. Do total repassado ao grupo, pelo menos R$ 550 mil, conforme relato do próprio pároco, não tiveram anuência a polícia.
Em depoimento, o pároco relatou a invasão de hackers em seu celular e contas de e-mail. Ele relata que foi ameaçado de ser exposto como um "promotor de adultério" e justificou suas atitudes em relação ao episódio.
"São todas insídias muito fortes, causam intimidação e também muita confusão na cabeça. Se eu agi mal em alguma coisa, eu agi de boa-fé colocando as coisas na tentativa de se resolver", diz o padre em trecho do depoimento.
Cinco pessoas envolvidas no esquema de chantagem foram condenadas, com penas que variam de 9 a 16 anos de prisão, em 2019. O padre relatou que recebeu um primeiro e-mail avisando sobre o pedido de R$ 2 milhões para não revelar informações pessoais dele. Ele, então, revelou que combinou um pagamento de R$ 700 mil com os chantagistas e, só depois, avisou a polícia. Este valor foi recuperado.
"O valor eu já estava combinando com eles. Tanto que eu falei que ia levantar possibilidade dos valores, não o valor determinado. Parece-me que foi R$ 700 mil que eu tinha dito a ele", afirmou.
Irritados, os hackers voltaram a ameaçar o padre, cobrando o valor integral pedido inicialmente. O padre, então, autorizou duas transferências bancárias, mas o valor acabou sendo bloqueado. A corporação, apesar de avisada, não concordou com o repasse.
"A polícia não concordando, mas eu dizendo para eles que era uma saída e que isso iria voltar para a associação que estava sendo também prejudicada", afirmou.
O MP questionou a existência de um e-mail enviado ao banco em que o padre mudou de posição e autorizou o pagamento do depósito. Porém, o religioso disse que "não tinha conhecimento desse e-mail".
Repasses sem aval da polícia
Novamente, o padre relatou que foi procurado por um dos hackers alegando receber "ameaças pesadas". Ele contou que resolveu repassar R$ 500 mil para o grupo.
"A polícia discordou totalmente [do repasse] (...) Não, acho que não, os R$ 500 [mil] não foram [repassados com monitoramento policial]", afirmou.
O dinheiro, em espécie, foi deixado dentro de um carro vermelho, em frente a um condomínio fechado, em Goiânia. O padre contou que o montante nem precisou ser sacado e foi retirado do fluxo diário do caixa da Afipe.
"A gente tem nas economias internas nossas, cotidianas ali, que a gente vai juntando. São valores de vendas de santinho, de dinheiro que chega lá, mais de três mil cartas [formas de doações à Afipe em que a pessoa recebe em casa o pedido de doação]. Então, às vezes, tem dinheiro aqui, dinheiro ali e a gente vai juntando", destaca.
Novamente, ele foi questionado se a polícia acompanhou a entrega. "Eu realmente não acredito que tenha participado", respondeu.
Houve ainda um repasse de R$ 80 mil aos hackers sob alegação de que o tio de um deles estava "precisando".
A partir daí, o padre disse que começou a "negociar" e sugeriu a seguinte proposta: repassar R$ 50 mil mensais. Foram seis depósitos, totalizando R$ 300 mil.
Os pagamentos foram feitos no estacionamento de um shopping de Goiânia. Um deles foi flagrado por câmeras de segurança, quando uma funcionária da Afipe deixa o pacote dentro de uma caminhonete. Em seguida, o motorista deixa o local.
"A primeira entrega ainda não teve a participação da polícia. Mas eles estavam acompanhando depois, posteriormente, em cada uma das entregas", recorda.
O padre é perguntado sobre o prejuízo que a associação e ele próprio tiveram, ele nega ter qualquer bem e que nada foi recuperado. "A associação [teve prejuízo]. Eu não tenho nada. Não [chegou a recuperar alguma coisa]. Uns R$ 980 mil [não teve ressarcimento]".
De acordo com a investigação do MP, o prejuízo foi de R$ 1,2 milhão. A defesa do padre disse ao G1 que o valor usado nos pagamentos foi recuperado e está depositado em conta judicial, aguardando liberação para retornar às contas da Afipe.
Entenda o caso
No dia 21 de agosto, o MP deflagrou a Operação Vendilhões, que apura desvios de verba e lavagem de dinheiro na Afipe.
A ação apura o uso de dinheiro da Afipe - em sua grande maioria doado por fiéis - na compra de fazendas, casas de praia e outros imóveis de luxo. O MP afirma que eram usados "laranjas" e empresas de fachada para a prática dos crimes.
Um processo de extorsão sofrido pelo padre Robson originou a ação do MP. A Justiça afirma que um hacker extorquiu o pároco tinha um romance com ele e ameaçava expor casos
A investigação aponta que a Afipe movimentou cerca de R$ 2 bilhões na última década. Ao menos R$ 120 milhões teriam sido desviados.
Fundador e presidente da Afipe, padre Robson se afastou do cargo por conta da operação. Ele era o responsável por gerir um orçamento de R$ 20 milhões mensais.
via G1
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