'Peçam a Deus', diz sobrevivente de Mariana às vítimas de Brumadinho


“Coitados. Perderam a vida sem saber por quê. A minha maior dificuldade hoje é a solidão. Não tenho mais perto de mim os meus amigos e a minha família. Foram embora e eu fiquei.” O lamento pelas vítimas de Brumadinho, seguido por um desabafo devido à sua própria situação, é do produtor rural de Paracatu de Baixo Divino dos Passos Isaías, de 68 anos. 



Um sentimento comum entre as vítimas do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, que se consternam e tentam exprimir, por meio sua experiência traumática, uma forma de encorajar quem foi atingido pela ruptura da barragem da Mina do Córrego do Feijão, na Grande BH.



Histórias que mostram ter sido o terror inicial de testemunhar toda a área de sua comunidade ser engolida por uma avalanche mortal substituído por perdas, separações e a completa demolição do seu estilo de vida. Assim, muitas das quase 500 mil pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, resumem sua vida. Uma amostra do que ainda aguarda atingidos e familiares que perderam entes e amigos em Brumadinho, na devastação provocada pela Vale, em Córrego do Feijão, três anos depois do desastre da Samarco, em Mariana. Sem indenizações pagas ou nem sequer reconhecimento dos seus traumas e perdas, muita gente em Mariana sobrevive às custas do próprio esforço enfrentando sozinha os próprios fantasmas, como mostra a reportagem do Estado de Minas, que esteve no município e no povoado de Paracatu de Baixo.

O escritório do advogado Flávio de Almeida Silva representa mais de 100 pessoas em Mariana, a maioria atingidos diretamente pela lama. Segundo o advogado, ao longo do tempo, os atingidos desenvolvem sérios problemas de saúde física e mental. “O dano psicológico é incomensurável. É comum o aparecimento de ansiedade, insônia, estresse pós-traumático. Há pessoas com tratamento psicológico, mas também muita gente simples que precisaria desse tratamento, mas nem sequer desconfia disso e a gente vê que está descompensada”, afirma.

Todos os dias, Divino Isaías precisa carregar sobre a sua cabeça um saco de 30 quilos de ração para o gado, num trajeto de 40 minutos até sua propriedade. Antes, cuidar dos animais era mais simples. Tarefa que resolvia na fazenda, com os parentes. Hoje ele precisa de fazer sozinho, tendo de se deslocar, porque não há como as entregas chegarem à área tomada pela lama onde fica a sua criação. “Quem ficou sem casa partiu. Todos que tinham meninos pequenos para estudar foram embora, mesmo sem as casas terem sido engolidas”, conta.

A escolha por ficar se deve à ligação com Paracatu e também por não haver garantias de que os responsáveis pela tragédia poderiam cuidar de suas terras. “Fiquei porque tenho as minhas coisas aqui, meu patrimônio. Não posso largar isso jogado.”

Sobre a nova comunidade que a Fundação Renova construirá no terreno que é conhecido como Lucila, ele não dá garantias da mudança nem demonstra ter gostado da ideia. “Não é certo não (que vá se mudar). Vou pensar.”

Para as vítimas de Brumadinho, ele recomenda paciência. “Digo a eles que tenham tranquilidade e peçam a Deus. Aqueles que se foram, eles não vão ver mais. Então, têm de pedir a Deus por eles e ter tranquilidade. Porque, vai fazer o quê agora? Agora, só Deus mesmo”.

O desastre em Brumadinho fez muitos atingidos de Mariana reviverem seus traumas. “Quando soube do que aconteceu em Brumadinho nem dormi de noite. A gente fica muito sensível. Depois, nos outros dias, veio aquele sono acelerado, de que você acorda assustado. Vejo aquela onda (do rompimento) passar na televisão e penso que já vi isso”, disse o agricultor José Carlos da Silva, de 56.

“Você vive (em Paracatu de Baixo) aqui e depois tem um mar de lama. Algumas casas só tinham o telhado. Acabaram meus sonhos. Sonhava um dia me aposentar e ter minha casa aqui, mas isso acabou. A lama levou tudo e acabou. Hoje eu tenho criação de leite. Mas minha mãe, por exemplo, e meus cinco irmãos foram embora, fui separado de toda a minha família, não podia abandonar a minha propriedade”, lamenta José Carlos. “Em Brumadinho, acho que foi ainda pior, porque não sobrou nada onde a lama passou”, considera.

SEM RECONHECIMENTO 

As mensagens de esperança da Samarco de que a empresa conseguiria voltar a operar, nos últimos três anos, fizeram com que muitos investidores e empresários mantivessem seus negócios. Mas a realidade de uma perda de cerca de 60% da arrecadação derrubou muitas pessoas que eram empregadoras e proeminentes.

Um empresário do ramo de empreendimentos na construção civil e treinamentos, de 53 anos, que pede para não ser identificado e será tratado como José é um deles. Ele prestou serviços para a Samarco e treinava funcionários diretos e terceirizados da mineradora que almejavam melhorar de vida ganhando mais com especialização profissional.

“Fui afetado de todas as formas. No setor imobiliário, construía, mas não conseguia mais vender imóveis. No campo dos treinamentos, o fechamento dos empregos liquidou essa vontade que os trabalhadores tinham de se aprimorar, porque essa mão de obra teve de ir embora”, disse. Segundo ele, os preços dos imóveis que foram construídos e valeriam R$ 460 mil caíram para R$ 320 mil.

Depois desse baque, o empresário se apegava às promessas de que a Samarco voltaria a operar e se endividou no cartão de crédito e no banco. “Meu padrão de vida era elevado. Tinha casa grande, com churrasqueira, chopeira. Dava festas. Hoje moro num apartamento simplesinho. Chegava a tirar R$ 15 mil por mês, hoje tiro R$ 1 mil de salário como garçom e R$ 1.080 de aluguel do único imóvel que me sobrou”, lamenta.

Para José, a sequência de desventuras foi dura. “A barragem arrebentou, meu pai morreu e veio a separação.” Com ela, pensão calculada sobre ganhos que já não existem mais. “Não paro de pagar por causa do meu filho, mas não tenho mais condições de manter a vida deles de antes. A Samarco e a Renova nem me consideram atingido”, conta.

via Estado de Minas
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