Médico deixa profissão de sucesso para ser padre: "Deus mudou meu coração".


Bonito, inteligente, formado precocemente e bem sucedido na profissão, ele surpreendeu pelo desprendimento e pela coragem. 



Há cinco anos, quando decidiu deixar uma carreira na medicina para se preparar para o sacerdócio, o otorrinolaringologista Pablo Henrique de Faria, então com 35 anos, enfrentou os questionamentos dos pais, tornou-se alvo de comentários de familiares, amigos e desconhecidos e foi tema de homilias em diversas igrejas. Bonito, inteligente, formado precocemente e bem sucedido na profissão, ele surpreendeu pelo desprendimento e pela coragem. 



Em Roma desde então, ele foi ordenado diácono em janeiro deste ano. Agora Faria se prepara para voltar a São Luís de Montes Belos, sua cidade natal, onde, no dia 14 de julho será ordenado padre durante celebração no campo do Seminário Menor Mãe da Santa Esperança, para a qual são aguardadas 2 mil pessoas. 

“Fui um católico normal desde criança, não tinha profundidade. Eu buscava sucesso, dinheiro, tive uma namorada por quatro anos e meio, durante o curso na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e depois de formado namorei outras duas mulheres”. Por telefone, de Roma, Pablo conta em que momento houve a conversão. “A mudança ocorreu durante a residência médica, no Hospital do Servidor, na capital paulista. Eu trabalhava muito, comecei a ter dificuldades com meu chefe e a situação ficou complicada. Compartilhei isso com uma colega que me sugeriu uma aproximação da Igreja para enfrentar os problemas de forma mais tranquila”.

Pablo aceitou o conselho, mas argumentava as orientações. Na Igreja que frequentava sugeriram que ele rezasse três Ave-Marias diariamente “para saber quem estava certo”. “Foi o início da mudança”. No hospital, sempre que se deparava com o sofrimento, passou a questionar a felicidade. “Um dia tive uma forte dúvida porque um paciente disse que Deus é onipotente e pode tudo”. A conversa o levou a mergulhar nas biografias dos santos. “Eles sofriam como todos e conseguiam ser felizes porque a felicidade é um dom. Me rendi. Conversei com um padre, disse que queria aprender mais, visitei mosteiros e passei a fazer trabalhos sociais”.

Pablo lembra que na capela do hospital disse a Deus para fazer o que quisesse com sua vida. “Comentei isso com uma enfermeira e ela brincou que eu tinha feito uma promessa a Deus e ele cobraria”. A transformação foi tamanha que ao final da residência Pablo decidiu ir para a comunidade católica Aliança de Misericórdia. “Ele queria ser igual a São Francisco. Não foi fácil ver meu filho largar tudo e ir para aquele lugar”, diz a mãe, a empresária Noilda Rodrigues de Faria, de 61 anos. Hoje, ela aceitou a decisão porque quer ver o filho feliz, mas confessa que ainda tem “umas recaídas”.

Primogênito dos três filhos de Noilda e do ex-bancário e agropecuarista José Miguel de Faria, Pablo teve uma boa formação. A opção pela Medicina encheu a família de orgulho. Ao encontrar com o filho na comunidade, despojado de bens materiais, e decidido a permanecer no local, o pai chorou muito. “Foi um choque para nós”, confessa José Miguel.

Entretanto, dois meses depois Pablo voltou a Goiás e em São Luís de Montes Belos começou a trabalhar como médico. “Continuei indo à missa, rezando o terço e lendo a Bíblia. Eu tinha desejo de retribuir a ajuda que Deus me deu naquele momento difícil na residência. Sou muito grato a Ele”. Dois anos depois veio o convite de um amigo para clinicar em Ceres. “Fiquei sete anos. Fiz muitos cursos, entre eles MBA para gerir, com meu sócio, a clínica que tinha nove funcionários. Duas ou três vezes por ano, viajava ao exterior para me aprimorar”.

Decisão deixou os pais tristes

“Nunca tive crise de indecisão. Fui muito ativo na medicina e minha história pregressa de vida me marca para sempre. Eu era orgulhoso e sonhador e Deus me colocar aqui é um milagre. Às vezes eu também me assusto, mas não é como perder um concurso. Sou médico, a cada dia nesses anos de formação poderia ter voltado à vida que tinha antes, mas nunca tive esse desejo. Após ordenado posso atender em algum contexto, mas não abrir um consultório. Tenho que ser coerente com a decisão de ser, acima de tudo, sacerdote”.

Pablo revela que colegas que formaram com ele ficam sem entender, mas o respeitam. Ele lembra, divertido, dos muitos comentários que surgiram quando sua decisão se tornou pública. “As pessoas disseram que ou eu era louco ou era gay”. Teve gente que o questionou: “Você tem tudo o que não tenho”. O que mais o incomodou, entretanto, foi a reação dos pais. “Ambos são de origem humilde e honestos na forma de trabalhar. Têm o sonho da classe média, de proporcionar uma boa profissão ao filho e garantir estabilidade. Religião seria um apêndice. Eles ficaram muito tristes, mas enfrentaram com diálogo e sem ruptura do relacionamento”.

Pablo enfatiza que não é simples viver isso. “Se eu não tivesse um relacionamento íntimo com Deus para ver com os olhos da fé, ficaria louco”. Ele não duvida de que faz parte de um plano maior. “Tenho que me entregar com confiança a Deus. Ele controla a minha vida e está realmente no controle de tudo. Tenho várias experiências que me dão este domínio”.

Escolha surpreendeu familiares e amigos

O tempo que passou em Ceres foi de aprendizado na profissão e de conquista de respeito. Médico atento, curioso, dedicado e humano, sempre foi elogiado pelos pacientes. Paralelamente, se manteve em orações, participando de atividades na Igreja Católica e abraçando causas altruístas. “Ele saía do consultório e ia para a cadeia conversar com os presos”, lembra a empresária Ana Paula Marinho que, junto do marido, o engenheiro civil Gleydson, é amiga próxima de Pablo. “Para nós a decisão foi uma surpresa, mas acredito que se não fosse assim, ele não seria feliz. Foi um chamado arrebatador.”

A convite de um padre que tinha abandonado a medicina durante o curso, Pablo visitou Roma e, segundo ele, ficou muito tocado na visita a alguns lugares. No retorno, trocando ideias com outro religioso em Brasília, ouviu que tudo indicava que Deus o queria como testemunha. Esse padre ofereceu a ele uma bolsa de estudos na Itália. “Eu brinquei que, para isso acontecer, tinha que vir um anjo do céu”. A conversa, entretanto, o impactou. “Em Ceres eu não falava sobre esses assuntos com ninguém. Não queria misturar as coisas”. 

Um padre octogenário, durante uma visita ao consultório, sensibilizou Pablo. “Ele me perguntou se eu já tinha pensado em ser padre. E seguiu dizendo que sempre quis ser um padre santo, mas que tinha falhado e começou a chorar”. A conversa terminou com o religioso idoso dizendo a ele: “Entregue sua vida a Deus e me salve”. Aquele encontro traçou o futuro do jovem médico.

Foi um ano e meio de preparação. Pablo vendeu sua parte da clínica para o sócio e se desfez de bens móveis e imóveis. Nada comentou com os pacientes. Atendeu até um dia antes de embarcar para Roma. Os pais souberam da decisão um mês antes, dentro de uma piscina em Caldas Novas. 

Bispo já tem planos para o futuro de Pablo

O bispo de São Luís de Montes Belos, Dom Carmelo Scampa, sempre foi um refúgio para Pablo nos momentos de dúvidas. “Há tempos ele manifestava desejo de tornar-se padre, mas o deixei em banho-maria por ser uma pessoa agitada e ter uma posição social diferenciada”, afirma o religioso. Diante da certeza, o bispo decidiu que o melhor seria Pablo aproveitar a bolsa em Roma por ele ser mais velho e mais preparado do que os seminaristas tradicionais. Os estudos em Filosofia e Teologia são na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, instituição dedicada ao ensino eclesiástico. 

Em janeiro deste ano, com a presença dos pais, de Dom Carmelo e de alguns amigos, Pablo tornou-se diácono. A cerimônia foi na bela Basílica de São Paulo Extramuros, onde se encontram os restos mortais do apóstolo São Paulo.

O bispo diz que tem planos para o futuro padre em sua diocese, mas não revela. Ele explica que ao assumir o presbitério, Pablo será como os outros, atuando num campo específico de trabalho. “Normalmente não se une medicina e o sacerdócio. Ele está consciente da situação eclesial, social e política. Isso que é o bonito do desafio”. O bispo ressalta: “Ele está preparado, mas não se cria hipoteca para toda a vida”.

via O Popular
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