Na calada da noite: “representantes do povo” votam em peso contra medidas anticorrupção



Em plena calada da noite, aproveitando-se da profunda comoção vivida no Brasil diante do trágico acidente que vitimou a delegação da Chapecoense na Colômbia, os 28 deputados federais brasileiros que estão sendo investigados no Supremo Tribunal Federal (STF) por suposto envolvimento nos casos de corrupção investigados pela Operação Lava-Jato votaram em peso, no plenário da Câmara, CONTRA medidas de combate à corrupção.


Em 12 votações separadas de trechos do texto, esse grupo de assim chamados “representantes do povo” ajudou a derrotar as propostas contidas no relatório de Onyx Lorenzoni (DEM-RS).

A oposição às propostas de Lorenzoni levou a melhor nas votações de pontos cruciais da proposta:


– 21 deputados foram favoráveis à criminalização de juízes e promotores por abuso de autoridade; 

– 21 ajudaram a excluir do texto a criminalização do enriquecimento ilícito; 

– 22 se manifestaram contra o confisco de bens provenientes da corrupção; 

– 21 se opuseram ao fortalecimento do Ministério Público nos acordos de leniência.


O relator Lorenzoni foi um ferrenho opositor desses parlamentares ao apoiar desde o início as 10 medidas contra a corrupção, propostas pelos procuradores da Lava-Jato. Os deputados envolvidos nas acusações consideram que Lorenzoni lhes “deu as costas” no debate sobre o assunto. Eles se posicionam como vítimas e alegam pressões da mídia desde março do ano passado, quando o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu inquérito para investigá-los. Na visão dos deputados acusados, Lorenzoni “jogou para a torcida, ignorou o diálogo na Câmara e recebeu o devido troco ontem“. Esta declaração foi feita por um dos 28 deputados, que, como seria previsível, pediu anonimato.

De fato, poucos dentre os investigados se manifestaram publicamente nesta oportunista madrugada de votações.

O deputado Arthur Lira (PP-AL), um dos investigados, fez o discurso mais duro contra o relator: em fato inusitado no plenário, apresentou a gravação de uma entrevista na qual Lorenzoni se declarava favorável à investigação de juízes e promotores. Ele mudou de posição, no entanto, e excluiu esse item do seu parecer. Para Lira, “foi um engodo o que esse relator fez com esta Casa“.

Aguinaldo Ribeiro (PB), líder do PP e também investigado, orientou a votação contrária ao relatório. Seu partido é o que tem o maior número de deputados investigados na Lava-Jato: quinze.

Dos 28 deputados investigados na operação que tem varrido o cenário político brasileiro, 17 votaram contra as principais medidas:

– a criminalização do enriquecimento ilícito; 

– o confisco de bens provenientes da corrupção; 

– fortalecimento dos procuradores nos acordos de leniência.



As medidas contra a corrupção foram violentadas de tal modo que a única mudança substancial aprovada foi a que torna crime a prática do chamado “caixa dois”.

Os deputados aprovaram, por outro lado, a responsabilização de juízes e membros do Ministério Público pelo abuso de autoridade nas investigações.

A propósito da aprovação deste dispositivo por parte da Câmara, o juiz Sergio Moro disse ter “severas críticas” e afirmou que ela pode passar à sociedade uma mensagem errada, justo no momento em que diversos casos gravíssimos de corrupção estão sendo investigados e punidos no Brasil. “Emendas da meia-noite, que não permitem uma avaliação por parte da sociedade, que não permitem um debate mais aprofundado por parte do Parlamento, não são apropriadas tratando-se de temas tão sensíveis”, afirmou o juiz. Moro também afirmou que o atual momento não é adequado para se aprovar uma nova lei de abuso de autoridade.

TEATRO MULTIPARTIDÁRIO

Quando o projeto de lei chegou ao Congresso, em março, os parlamentares não se atreveram a transparecer a sua intenção de rejeitá-lo. Preferiram deixar andar a tramitação do texto, aprová-lo na comissão criada para analisá-lo e, depois, modificar em plenário o teor dos pontos principais.

A comissão, que ouviu promotores e juízes, aprovou o texto elaborado por Lorenzoni (DEM-RS), mas os parlamentares, em manobra multipartidária, foram interferindo no texto mediante emendas apresentadas por nove legendas.

No início da votação, já se vislumbrava a grande mudança que seria feita no texto. As reuniões madrugada adentro iam baixando o quórum e, uma vez aprovado o texto-base, veio a tempestade de emendas cuja votação só acabou após as 4 horas da manhã, enquanto o país dormia chocado com a tragédia da Chapecoense.




O QUE MUDOU

Abuso de autoridade: os deputados aprovaram a emenda que prevê crime de abuso de autoridades para magistrados e membros do Ministério Público, com punição de 6 meses a 2 anos de prisão. Esta alteração de texto foi proposta pela bancada do PDT.

Violação de prerrogativas: punição com multa e 1 a 2 anos de detenção para policiais, juízes e membros do Ministério Público que violarem direito ou prerrogativa de advogados. Esta emenda foi apresentada pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MS) a pedido da OAB.

Exclusão do “reportante do bem”: esta figura seria uma espécie de delator não envolvido diretamente no crime investigado.

Extinção de domínio: o tema foi retirado das medidas contra a corrupção. A extinção de domínio decreta a extinção dos direitos de propriedade e posse. A emenda foi proposta pela bancada do PR.

Progressão de pena: a bancada do PT apresentou a mudança que excluiu a previsão de que o condenado por crime contra a administração pública só teria direito a progressão de pena quando reparasse o dano ou devolvesse os recursos do ato.

Prescrição de crimes: quatro artigos endureciam as regras de prescrição de crimes; um deles determinava que o prazo de transcrição só começaria depois do ressarcimento integral do dano. A mudança nesta parte do texto também foi apresentada pela bancada do PT.

Acordo de leniência: ainda por proposta do PT, foi excluída do texto a previsão de que o Ministério Público celebrasse acordos de leniência.

Enriquecimento ilícito: por proposta de PP, PTB e PSC, foi excluído o trecho que tipificava o crime de enriquecimento ilícito para funcionários públicos.

Acordo penal: por proposta do PSOL, foi excluída a possibilidade de que o Ministério Público e o denunciado celebrassem acordo para aplicação imediata da pena antes da sentença judicial.

Responsabilização de partidos: por proposta do bloco PP, PTB e PSC, foi excluída a previsão de pena de suspensão do funcionamento dos partidos e da filiação do dirigente partidário responsável por crime de caixa dois.

Lei dos partidos: por proposta do PR, foi excluída a revogação de um artigo da Lei dos Partidos segundo o qual só ocorreria responsabilização pessoal, civil e criminal de dirigentes partidários pela desaprovação de contas e atos ilícitos atribuídos ao partido se a Justiça verificasse irregularidade grave. O artigo permanecerá, portanto, na Lei dos Partidos.

QUANTO OS PARTIDOS FAVORECERAM AS FACILIDADES PARA A CORRUPÇÃO

As medidas que favorecem a popularmente chamada “Frente Parlamentar da Corrupção” foram aprovadas pelos partidos com as seguintes proporções, conforme cálculo publicado pelo site O Antagonista – que usa a expressão “pró-ORCRIM”, a saber, “favorável à organização criminosa”:

PCdoB = 100% pró-ORCRIM

PT = 98% pró-ORCRIM

PRB = 95% pró-ORCRIM

PDT = 87,5% pró-ORCRIM

PR = 83% pró-ORCRIM

PMDB = 82% pró-ORCRIM
PP = 81% pró-ORCRIM
DEM = 71% pró-ORCRIM
PSD = 61% pró-ORCRIM
PSB = 57% pró-ORCRIM
PSDB = 24% pró-ORCRIM


Em nota, a Procuradoria-Geral da República se manifestou sobre o trecho violentado pela Câmara:

O resultado da votação colocou o país em marcha a ré no combate à corrupção. O Plenário da Câmara dos Deputados desperdiçou uma chance histórica de promover um salto qualitativo no processo civilizatório da sociedade brasileira”.

Ainda na quarta-feira (30), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), colocou em votação um requerimento de urgência para que o projeto sobre corrupção, aprovado pela Câmara na calada da noite, fosse votado pelos senadores no mesmo dia, mas não conseguiu.

Via Francisco Veneto 

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