A profética voz de Bento XVI contra o extremismo islâmico


Por Jorge Traslosheros

Enquanto a violência do autoproclamado Estado Islâmico volta-se contra os cristãos, os yazidis e outras minorias, muitas vozes se unem em condenação. Entre estas, destacam-se as do mundo muçulmano, dos líderes religiosos da Grã Bretanha, ou do King Abdullah Bin Abdulaziz International Centre for Interreligious and Intercultural Dialogue (KAICIID), com sede em Viena, passando pelos intelectuais e jornalistas de várias latitudes, até a comovente manifestação por parte das pessoas simples. A condenação é unânime. Os fanáticos manipulam o islã, transgridem o Alcorão e traem a religião que dizem professar. Isso faz lembrar o discurso do professor Ratzinger em Ratisbona.




No dia 12 de setembro de 2006, Joseph Ratzinger, atualmente Papa Emérito Bento XVI, visitou a Universidade de Ratisbona, onde havia sido professor. Ali pronunciou um memorável discurso que hoje ressoa com força. Falou da vocação natural das religiões à justiça e à paz, cuja realização depende da articulação correta entre a fé e a razão, um dos grandes tópicos da sua Teologia e do seu Magistério. Explicou que, quando falta o diálogo, apresentam-se as patologias da razão e da religião que fazem escorregar, ao extremo, rumo ao fanatismo. Diante do despertar da irracionalidade misturada ao fundamentalismo, lançou um desafio aos muçulmanos para condenar a violência como meio de impor a fé, sem aliviar também para os cristãos.

O Papa Emérito Bento XVI tinha colocado o dedo na ferida. Três lições devem ser lembradas. Por um lado, o mundo midiático e intelectual doOcidente, que se diz expressão da tolerância e da liberdade, lançou-se com violência irracional contra Ratzinger, acusando-o de ser fanático e provocador, quando na verdade tinha convidado ao diálogo na razão. Por outro lado, muçulmanos também lançaram condenações. No fim, todos têm de dar razão a Ratzinger. Tanto um quanto o outro mostraram que sofrem das patologias descritas no discurso de Ratisbona.





A reação mais interessante e decisiva foi a do islã. Um grupo de líderes e intelectuais muçulmanos assinou uma carta na qual eles acolhiam o desafio do diálogo. O epicentro aconteceu no Reino da Jordânia, mas se estendeu rapidamente a várias latitudes. Nessa carta, apesar de algum desacordo com Ratzinger, foram condenados aqueles que pretendiam impor com a violência “sonhos utópicos nos quais o fim justifica os meios”.

É certo dizer que a aula e a carta não deram início ao diálogo entre os cristãos e os muçulmanos, mas sem dúvida foram um fator importante para promovê-lo a níveis nunca vistos antes. Hoje certamente este diálogo está dando frutos não apenas entre certas elites, mas também entre as pessoas comuns, que antes de aparecer estes fanáticos tinham feito a convivência interreligiosa como a maneira natural de ser e hoje protestam porque querem continuar a viver da mesma maneira. Esta é a voz mais forte entre aquelas que podem ser escutadas. O encontro entre o povo simples e a intelectualidade enche de esperança. Quando este relacionamento se alimenta de paciência e constância, gera movimentos culturais potentes.

A memorável aula em Ratisbona teve outras consequências que hoje podemos observar. As palavras de Ratzinger deram maior impulso a uma ideia que nasceu da realidade dos percursos religiosos do século XIX e da primeira metade do século XX, vistos à luz do Evangelho, expressos claramente no Concílio Vaticano II, alimentados pelo Magistério pontifício sucessivo e articulado ao melhor da diplomacia da Santa Sé. Deseja-se fazer da liberdade religiosa uma das pedras angulares do Direito e das relações internacionais. Aqui se encontra o constante esforço da Igreja por favorecer a voz dos líderes e dos movimentos religiosos que buscam a paz mediante a justiça, de modo que se gerem âmbitos de convivência harmoniosa em cada sociedade, iniciativa chamada genericamente de: “o espírito de Assis”. A liberdade religiosa deve se tornar cultura com o apoio das políticas públicas dos vários Estados. Um dos mais importantes promotores desta proposta, para buscar um exemplo significativo, foi o doutor Thomas Farr, que dirige o Religious Freedom Project no Berkeley Center for Religion, Peace and World Affair da ‘Universidade de Georgetown. Infelizmente nem os Estados Unidos nem a União Europeia quiseram escutar a aula de Ratisbona, ou a proposta da Igreja, muito menos as excelentes razões articuladas por acadêmicos e diplomatas de vários lugares. Quando as religiões cruzam seus caminhos, o que acontece continuamente, perdem o sentido da realidade, cegas pela própria arrogância. As tentativas de voltar à razão são interpretadas como uma violação impetrata pelo secularismo radical. É um pecado.

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