As religiões e a filosofia se perguntavam “o que é Deus?”, mas, pela revelação, o homem é levado a se perguntar “quem é Deus?”
Ao longo da história, todas as culturas se fizeram esta pergunta; tanto é assim, que os primeiros sinais de civilização se encontram, geralmente, no âmbito religioso e cultural. Crer em Deus está, em primeiro lugar, para o homem de qualquer época.
A diferença essencial está em qual Deus se crê. De fato, em algumas religiões pagãs, o homem adorava as forças da natureza, enquanto manifestações concretas do sagrado, e contavam com uma pluralidade de deuses, ordenada hierarquicamente. Na Grécia Antiga, por exemplo, também a divindade suprema, em um panteão de deuses, era regida, por sua vez, por uma necessidade absoluta que abarcava o mundo e os próprios deuses.
Para muitos estudiosos da história das religiões, em muitos povos ocorreu uma progressiva perda a partir de uma “revelação originária” do único Deus. Mas, em todo caso, inclusive nos cultos mais degradados, podem ser encontradas chispas ou indícios em seus costumes da verdadeira religiosidade: a adoração, o sacrifício, o sacerdócio, o oferecimento, a oração, a ação de graças etc.
A razão, tanto na Grécia como em outros lugares, tratou de purificar a religião, mostrando que a divindade suprema deveria se identificar com o bem, a beleza e o próprio ser, enquanto fonte de todo bem, de todo o belo e de tudo o que existe. Mas isso sugere outros problemas, concretamente o afastamento de Deus por parte do fiel, pois, desse modo, a divindade suprema ficava isolada em uma perfeita autarquia, já que a mesma possibilidade de estabelecer relações com a divindade era vista como um sinal de fraqueza. Além disso, tampouco fica solucionada a presença do mal, que aparece, de algum modo, como necessária, pois o princípio supremo está unido por uma cadeia de seres intermediários, sem solução de continuidade, ao mundo.
A revelação judaico-cristã mudou radicalmente este quadro: Deus é representado, na Escritura, como Criador de tudo o que existe e Origem de toda força natural. A existência divina precede absolutamente a existência do mundo, que é radicalmente dependente do Senhor. Aqui está contida a ideia de transcendência: entre Deus e o mundo a distância é infinita e não existe uma conexão necessária entre eles. O homem e todo o criado poderiam não ser, e naquilo que são dependem sempre de outro; ao passo que Deus é e o é por si mesmo.
Esta distância infinita, esta absoluta pequenez do homem diante de Deus, mostra que tudo o que existe é querido por Ele com toda Sua vontade e liberdade: tudo o que existe é bom e fruto do amor (cfr. Gn 1). O poder de Deus não é limitado nem no espaço nem no tempo, por isso Sua ação criadora é dom absoluto, é amor. Seu poder é tão grande que quer manter Sua relação com as criaturas; inclusive salvá-las se, por causa de sua liberdade, afastarem-se do Criador. Portanto, a origem do mal deve ser situada em relação com o eventual uso equivocado da liberdade por parte do homem – coisa que, de fato, ocorreu, como narra o Gênesis: vid. Gn 3 –, e não com algo intrínseco à matéria. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que, em razão do que se acaba de mencionar, Deus é pessoa que atua com liberdade e amor. As religiões e a filosofia se perguntavam “o que é Deus?”, mas, pela revelação, o homem é levado a se perguntar “quem é Deus?” (cfr. Compêndio, 37); um Deus que sai ao seu encontro e busca o homem para falar-lhe como a um amigo (cfr. Ex 33,11). Tanto é assim que o Senhor revela a Moisés o Seu nome, “Eu sou aquele que sou” (Ex 3,14), como prova de Sua fidelidade à aliança e de que o acompanhará no deserto, símbolo das tentações da vida.
É um nome misterioso que, em todo caso, nos dá a conhecer as riquezas contidas em Seu mistério inefável: somente Ele é, desde sempre e para sempre, aquele que transcende o mundo e a história, mas que também se preocupa com o mundo e conduz a história. Ele foi quem fez o céu e a terra, e os conserva. Ele é o Deus fiel e providente, sempre junto a Seu povo para salvá-lo. Ele é o Santo por excelência, “rico em misericórdia” (Ef 2, 4), sempre disposto ao perdão. Deus é o ser espiritual, transcendente, onipotente, eterno, pessoal e perfeito. Ele é a verdade e o amor” (Compêndio, 40).
Assim, pois, a revelação se apresenta como uma novidade absoluta, um dom que o homem recebe do Alto e que deve aceitar com reconhecimento de ação de graças e um obséquio religioso. Portanto, a revelação não pode ser reduzida a meras expectativas humanas, vai muito mais além: ante a Palavra de Deus que se revela só cabe a adoração e o agradecimento, o homem cai de joelhos ante o assombro de um Deus, que, sendo transcendente, se faz interior íntimo (Santo Agostinho, Confissões, 3, 6, 11), mais próximo de mim que eu mesmo e que busca o homem em todas as situações de sua existência: “O criador do céu e da terra, o único Deus que é fonte de todo ser, este único Logos criador, esta Razão criadora ama pessoalmente ao homem, mais ainda, ama-o apaixonadamente e quer, por sua vez, ser amado. Por isso, esta Razão criadora, que ao mesmo tempo ama, dá vida a uma história de amor (…), amor que se manifesta cheio de inesgotável fidelidade e misericórdia; é um amor que perdoa além de todo e qualquer limite”
Por Papa Bento XVI, Discurso na IV Assembléia Eclesial Nacional Italiana.